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Bone, de Jeff Smith: tão bom quanto leitura de infância

16 de abril de 2021 | Por: Alexandre Postigo

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Asterix, Tintim. Quando era criança, e absorvia por todos os poros as aventuras em quadrinhos do jornalista belga e dos irredutíveis gauleses, não era difícil me ouvir rindo alto. Então, e ainda agora, havia afeto por aquelas histórias e personagens, além da proximidade e importância que damos apenas, ou quase apenas, às coisas que lemos e temos contato quando crianças, época em que tudo é maximizado e obras que já são boas se tornam, em nossa memória, ainda melhores.

Sentir novamente esse tipo bem específico de afeto é difícil para os adultos, que têm, de modo geral, um ponto de vista bem mais cínico sobre a vida e as pessoas. Que Bone, HQ escrita e desenhada por Jeff Smith, consiga fazer marmanjos rirem alto e, ainda por cima, rememorarem aqueles primeiros e tão permanentes sentimentos é um mérito em si mesmo dessa obra, mas não é o único.

Mas antes de falar o que há de especial nesse belo clássico moderno, e quais são seus outros méritos, é preciso dizer que Bone difere das HQs citadas – Tintim e Asterix – no sentido de ser uma única e grande história, e não diversas histórias sobre os mesmos personagens. Na verdade, a narrativa de Bone se aproxima mais de uma saga e é fácil estabelecer uma comparação com O Senhor dos Anéis.

Aliás, se a saga de Tolkien começa de forma singela, em uma festa de aniversário em uma pequena vila hobbit, e progride para guerras que decidem o destino da Terra Média, Bone segue lógica semelhante, de menor para maior complexidade. Assim, a princípio temos apenas os primos Fone, Phoney e Smiley que, expulsos da cidade de Boneville, acabam chegando ao Vale, onde conhecem animais falantes, uma vovozinha muito forte e sua neta, Espinho. Esse começo, que promete uma história de pequena abrangência, rapidamente revela ser apenas a superfície da aventura, que passa a envolver dragões, princesas desaparecidas, guerreiras inesperadas e um exército de ameaçadoras criaturas ratazanas.

Dito assim parece tudo muito jogado. Mas Smith amarra com precisão as coisas e impõe ótimo ritmo à narrativa: nas cenas de ação, dispensa o texto e aposta em sua límpida arte sequencial para conferir dinamismo à obra; não se furta, no entanto, de diminuir a velocidades dos acontecimentos e olhar mais de perto personagens e suas motivações, até como forma de explicar reviravoltas e surpresas da história.

A constante e saborosa – porque muito bem realizada – quebra de expectativa, aliás, é uma das características da saga: personagens que de início você imagina ter determinado papel na trama, de repente passam a ter outro status; vilões são humanizados e, de forma generosa, até perdoados; a própria narrativa, que começa quase infantil, ganha corpo e vira uma epopeia, violenta às vezes, mas sempre bem humorada.

O timing de humor de Smith é impressionante e outra cereja desse bolo recheado delas. Nesse sentido, tudo contribui para potencializar o humor de Bone: o texto, com diálogos muitas vezes surreais; a arte sensacional do autor, que representa personagens já cartunescos abrindo a boca ou arregalando os olhos como nos desenhos animados do Pernalonga; até o ritmo se rende às necessidades do humor e uma única piada pode utilizar mais de uma página para ser contata da forma certa. Aquele meu riso alto, afinal, não veio do nada: ele é resultado da mistura certeira de todos esses fatores.

Produzido entre 1991 e 2004, e ao longo de 55 edições, o autor parece mesmo não ter tido pressa para terminar essa obra de arte, eleita pela Time como a revista mais importante para todas as idades, além de ter ganhado dez prêmios Eisner e onze prêmios Harvey. Só isso!

Aqui no Brasil, depois de uma história editorial atribulada, suas 1376 páginas saíram pela editora Todavia, e uma caixa única com três volumes. Em cores, diferentemente de como foi publicado originalmente, em preto e branco.

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Os três volumes de Bone foram publicados no Brasil, em cores, pela editora Todavia

Aliás, sobre isso há uma história interessante.

A ideia de republicar Bone com cores foi de Art Spiegelman, autor da também obra de arte Maus, HQ vencedora do prêmio Pulitzer e enorme inspiração para Smith. Ainda não convencido de que era preciso colorir sua colossal HQ, Jeff perguntou a Art porque colocar cores em Bone se Maus era em preto e branco. A resposta é certeira. “Maus trata da guerra e do holocausto, tinha que ser em preto e branco. Mas Bone trata da vida, e não estará terminada até sair colorida”.

Saiu. E ficou linda.

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