Forjado a partir da história real da cabeça de Santo Antônio de Caridade, abandonada há anos e que nunca foi colocada no corpo da estátua para a qual foi projetada, o romance de Socorro Acioli une fábula e realismo mágico, desvendando as agruras e doçuras da condição humana com muito bom humor.
‘A cabeça do Santo’ é aquele tipo de romance que proporciona uma leitura agradável do começo ao fim. Ao longo das suas 166 páginas, a narrativa de Socorro Acioli mantém um ritmo cadenciado que não se perde em nenhum momento.
A trama tem como ponto de partida uma situação inusitada. Um jovem de nome Samuel, a pedido da mãe, faz o caminho de Juazeiro do Norte até a pequena cidade de Candeia, sob o sol forte do Ceará. Chegando lá, ele se abriga no que acredita ser uma gruta. Mas ao acordar, descobre que passou a noite dentro da cabeça de uma estátua abandonada de Santo Antônio. Não bastasse isso, ele, de dentro da cabeça, passa a ouvir vozes, e as rezas, das devotas do santo casamenteiro.
A partir desse mote, a autora conduz de forma divertida e inteligente o fio da narrativa. Acompanhando os passos de Samuel, nos deparamos com o Brasil profundo e percebemos que vícios, preconceitos, crenças e hipocrisias são os mesmos nessas e em todas as outras bandas do país.
Nesse sentido, esteja onde estiver, o leitor vai se pegar em vários momentos fazendo paralelos entre o que acabou de ler e as situações cotidianas que evidenciam nossas deteriorações sociais.
Mas não é só isso que faz um bom livro. Na obra de Socorro Acioli nos reencontramos com um narrador que se propõe a ser um contador de histórias, e só. Esse “só” vira muito no resultado final da obra.
Ao contrário de alguns contemporâneos, a autora revela as fissuras da nossa sociedade sem precisar incorporar discursos militantes à malha da narrativa. A denúncia se revela nas práticas, atitudes e pensamentos dos personagens. Estes vão se revelando ao compasso da construção da própria história. E que história!
Não bastasse a aula de narrativa, ‘A cabeça do Santo’ proporciona ao leitor uma experiência de leitura divertida e bem-humorada que em momento algum se rende a generalizações ou maniqueísmos.
Fanatismo religioso, ganância, intolerância e desigualdades persistem na sociedade. Entretanto, Acioli mostra diferentes formas de se pactuar, ou não, com eles e como a resistência a tudo isso se dá, também, pelo amor.
Sim. Numa história que tem como ponto de partida a cabeça abandonada de uma estátua do santo casamenteiro, esse tema não poderia ficar fora. Mas ao tecer os caminhos do personagem Samuel, a autora passa longe dos excessos e clichês que rondam o imaginário popular.
‘A cabeça do Santo’ surge de uma premissa que é puro realismo mágico, mas conduz uma história de amor que se inscreve com sutileza quase imperceptível no decorrer da narrativa e apenas emerge no final, bonito e singelo, como se espera que seja, enfim, o amor.