Para falar do Superman, de sua morte, começo usando um companheiro seu de editora, o Homem-Animal. Na história “Deus Ex Machina”, publicada no distante ano de 1990, o herói com poderes animais encontra seu, na época, escritor, Grant Morrison. Depois deste último ter “matado” sua esposa e filhos e tê-lo feito passar por toda sorte de provações ao longo de várias edições, Morrison explica suas razões: o fez porque “toda história precisa de drama” e que “é fácil dar choques emocionais baratos matando personagens queridos”. Jó, ou o Homem-Animal, ouve de Deus, o escritor, que sua vida foi para o ralo para aumentar as vendas do gibi.
Para além do uso genial da metalinguagem em uma história memorável, a explicação, usada pelo escritor escocês como uma crítica a narrativas pobres e até ao público – que exige montanhas russas emocionais em cada edição de suas HQs -, vira um problema quando se torna mantra para escritores poucos inspirados, que veem na morte de personagens uma chance de tornar seu trabalho de novo comentado, de novo relevante.
Objetivos completamente cumpridos quando se considera, por exemplo, “A Morte do Superman”, arco de histórias publicado entre 1992 e 1993 nos diversos títulos do azulão e no da revista da Liga da Justiça: o anúncio de que o primeiro e mais conhecido super-herói ia ser morto causou imenso impacto também no mundo real, com muitas matérias sendo produzidas e as vendas do personagem, que não andavam muito boas, disparando.
O resultado positivo, pelo menos em termos de repercussão, é ainda mais impressionante quando se considera a forma quase por acaso que ela foi concebida, como relatou o desenhista Tom Grummett em um dos painéis da CCXP 2018. O artista – junto com Dan Jurgens, Jon Bogdanove e Jackson Guice – foi responsável pela arte do arco e afirma que a “Morte” nasceu quase que como uma piada. “Estávamos em um dos simpósios anuais organizados por Mike Carlin – editor do Super na época – para planejar um ano de histórias do personagem. Clark Kent havia contado para Lois que era o Superman e eles estavam noivos. Estávamos planejando os detalhes do casamento e, no terceiro dia, Mike foi atender um telefonema. Quando voltou disse que o casamento havia sido cancelado”. O problema era que passaria a ser veiculado “Lois & Clark: As Novas Aventuras do Super-Homem”, série para a TV na qual os dois protagonistas não eram nem casados e nem noivos. O argumento para o cancelamento do casamento era que a diferença entre as HQs e o programa de TV poderia confundir a cabeça dos fãs.
“Jerry Ordway (roteirista do Super na época), disse: ‘então vamos matá-lo’. Todos gargalharam, mas Roger Stern (também roteirista) perguntou: ‘o que aconteceria se realmente matássemos o Superman?’”, continua o relato Grummett, deixando claro que a história desenvolvida a partir daí foi, para ele, muito superior ao que teria sido a do casamento.
Se o recurso de matar um personagem querido pode ser uma gambiarra narrativa com o objetivo de causar um “choque emocional barato”, também é verdade que a qualidade da história da mesma forma depende da forma como essa morte é apresentada.
Em “A Morte do Superman” um dos fatores que fez com que os leitores acompanhassem o arco narrativo – que se desenrolou ao longo de diversas revistas – foi o mistério em torno do antagonista do Super e seu assassino, Apocalypse, uma monstruosidade impiedosa mas que de início se apresentava dos pés à cabeça coberta por uma roupa verde. Conforme a batalha com o herói foi se desenvolvendo nas diversas revistas, a roupa foi rasgando e o monstro foi sendo revelado aos poucos.
Se a utilização desse tipo de recurso narrativo para criar curiosidade e prender o leitor foi eficiente dentro das HQs, um fenômeno diferente estava em curso em nosso mundo, como explica Grummett. “Os fãs de quadrinhos sabiam que em algum momento o personagem seria trazido de volta: você não pode substituir o Superman. O resto do mundo achou que a morte era ‘real’ e tentava aceitar isso”.
O morte do primeiro e mais conhecido super-herói, aquele ‘acusado’ de defender princípios fora de moda e de ter pouco apelo junto a um público quem sabe em busca de mais violência e menos conversa, gerou comoção na mídia e no público. Este último, quem sabe, tenha se perguntado: um mundo sem Superman é mesmo melhor?
O drama criado pela morte do Superman, se não produziu uma obra de arte dos quadrinhos, ao menos chamou atenção para o personagem, cujo coração está, como sempre esteve nesses oitenta anos de idade, no lugar certo. Isso é mais do que se pode dizer de muitos outros heróis.