A CCXP virou um shopping de cultura nerd?

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Uma cena da CCXP: em frente ao elevador, aglomera-se uma multidão. Levantam celulares, uns por cima das cabeças dos outros, cada um tentando achar uma brecha, o melhor enquadramento, por entre os corpos, muitos corpos, que se pressionam. Ansiosos, celulares e seus donos apontam para as portas do elevador, que teimam em não abrir. Quem sairá de lá? O Papa? Gal Gadot? Kevin Feige? Pergunto ao primeiro gaiato que encontro o porquê da muvuca, quem eles estavam esperando? “Não sei”, foi a resposta do primeiro, assim como de um segundo. Ninguém sabia quem eles estavam esperando! Seria Godot? Anticlimaticamente, a abertura das portas revela que lá não havia ninguém especial, ou pelo menos ninguém especial para a cultura pop.

Fosse eu um velho e rabugento nerd diria que a cena é sintomática do que a feira, a cada ano, mais se torna: um local para tirar fotos junto às/das celebridades e, ato contínuo, postar nas redes sociais. Um local para obter lembrancinhas.

Nesse sentido, é revelador que o São Paulo Expo tenha sido invadido, neste ano, por grandes lojas de roupas e chinelos, todas devidamente lotadas, intransitáveis e cobrando preços extorsivos. Por outro lado, nos 115 mil metros quadrados do pavilhão (16 campos de futebol) não conseguiram encontrar espaço para uma editora como a Aleph, que oferece, essa sim, produtos, cultura, full geek na forma de livros de ficção científica da melhor qualidade.

Também para atender a esse público que busca, apenas, lembranças e aquela foto ‘super legal para o face’, multiplicam-se estandes com a chamadas experiências interativas. Para a promoção de ‘Mulher Maravilha 1984’ havia uma pista de dança que remetia ao ano em que se passa o filme. Depois de passar um tempo (interminável) na fila, o participante podia dançar e ganhar uma tiara de papel. Bom pra ele…

Mas o problema não está, evidentemente, em tirar uma foto no tobogã da Frozen. Há quem goste e é preciso respeitá-los. Mas na incompatibilidade entre o que a CCXP afirma ser, uma feira voltada ao público nerd e geek, e o que ela vem se tornando. Mais especificamente está no desequilíbrio, nas edições recentes da feira, entre o que é oferecido ao público que flerta com a cultura pop e para aquelas pessoas que são apaixonadas por esse mundo de homens com a cueca para fora das calças, dragões e naves espaciais.

Afinal, se você oferece algo como um shopping com temática nerd, sobra menos espaço, tempo e visibilidade para as novidades da cultura pop, produtos exclusivos a preços razoáveis, anúncios – de filmes, séries, livros e hqs -, bastidores e conversas interessantes com quem produz essa cultura.

Vamos deixar as coisas mais claras. O sujeito paga uma fábula no ingresso; no pavilhão, aplicativo e sinalização toscas tornam encontrar qualquer atração pura sorte; se o sortudo encontrou o que queria, entrar são outros quinhentos, ou uma fila com essa quantidade de pessoas; comer é para os ricos e fortes, dispostos a ficar de pé ou sentados no chão. Nesse contexto, não será um chinelo com o símbolo do Superman que vai suprir as necessidades básicas do consumidor contumaz de cultura pop.

Esse consumidor, o público original da CCXP, segue sendo alimentado, apesar dos pesares. Kevin Feige (!) veio, falou sobre ‘Os Eternos’, o próximo filme da Marvel, e mostrou até imagens; editoras anunciaram diversas publicações de HQs; no Artists’ Alley estava quase todo mundo relevante na indústria; nos auditórios, particularmente nos menores, rolaram discussões interessantes. Mas quem frequenta há algum tempo percebe que algo estranho está acontecendo, e não por culpa do Dr. Destino. Será do vil metal e seus cifrões?

Sucesso evidente de público – 280 mil pessoas em quatro dias de evento (ou cinco, se contarmos a Spoiler Night) -, a CCXP precisa restaurar certo equilíbrio (na Força?), quem sabe voltar um pouco às origens, para continuar a ser relevante. A opção é se tornar um shopping, e estes os há em quantidade por aí.

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