Falcão e o Soldado Invernal, ou Black Lives Matter?

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É fácil terminar ‘Falcão e o Soldado Invernal’, série disponibilizada pela Disney+, com um sorriso no rosto e/ou com uma lágrima nos olhos.

O segredo disso, ou pelo menos um deles, não é difícil de identificar: a narrativa e os arcos dos personagens dialogam com questões  que são nossas, com as quais nós também temos que lidar, como racismo, perdão, justiça social e as formas, válidas ou não, de lutar por ela.

Esse diálogo de produtos da cultura pop com a vida real e seus problemas, aliás, é a ‘Marvel Streaming’ resgatando uma tradição da ‘Marvel Quadrinhos’. Stan Lee e seus parceiros desde cedo apostavam que o que acontecia na sociedade, como o Movimento dos Direitos Civis dos anos 1970, deveria estar nos gibis da criançada. Essas temáticas acrescentavam robustez e relevância às tramas. Tornavam aquilo importante para quem lia.

Processo semelhante se dá, agora, neste ‘Falcão e o Soldado Invernal’. O arco onde isso fica mais patente talvez seja o de Sam Wilson/Falcão (Anthony Mackie). Escolhido para empunhar o escudo estrelado pelo Capitão América ao final de ‘Vingadores: Ultimato’, a trama começa com ele justamente renegando o legado e entregando o frisbee de vibranium a um museu.

Essa postura de Sam poderia indicar um mote bem óbvio para a série: o herói que herda um enorme legado e que tem que aprender a lidar com as responsabilidades que o acompanham. Mas trata-se da Marvel, e logo fica claro que a questão posta para Sam, e para nós, telespectadores, tem um caráter muito mais social, mais político: deveria existir um Capitão América negro? Tendo, o que ele deveria representar?

Bucky Barnes, o Soldado Invernal (Sebastian Stan), em determinado momento questiona Sam: “ele deu o escudo para você, por que não honrou essa escolha?” Sam não se explica e evoca questões pessoais.

Não é necessário explicar (e Buck, talvez, como branco, nem fosse entender), já que os indícios estão por toda parte. Por exemplo, na cena em que Buck e Sam, discutindo na rua, são interrompidos por um policial, que pergunta ao Soldado Invernal se ele está sendo incomodado pelo homem negro. O episódio, que evoca quase literalmente o crime que deu origem ao movimento Black Lives Matter, não é o único nem o mais forte a dizer, gritar, do que, afinal, a série trata.

Capitão América sempre foi sobre política, amiguinho!
Capitão América sempre foi sobre política, amiguinho!

Talvez ainda mais forte para reforçar os questionamentos de Sam sobre portar ou não o escudo seja a história de Isaiah Bradley, personagem pinçado dos quadrinhos para exemplificar, na série, como os EUA podem ser injustos com sua população negra. Bradley, depois de passar por uma experiência que tentava criar um novo supersoldado, salva um batalhão em meio à guerra, exatamente como Steve Rogers havia feito. Ao invés de virar herói nacional, Bradley acaba se tornando cobaia para cientistas, que tentam entender como funciona seu corpo alterado pelo soro do supersoldado.

“Por que deveríamos, nós, homens negros, defender um país capaz disso?”, parece se perguntar Sam. Mais importante: poderia um homem negro vestir o uniforme que representa tal país e ter orgulho disso? Essas são as perguntas que a série faz e que balizam as ações do Falcão.

O roteiro é ainda mais feliz ao introduzir um elemento para fazer desse questionamento, e sua resolução por Sam, algo ainda mais urgente: um novo Capitão América branco, que inclusive porta o escudo de Steve. Interpretado eficazmente por Wyatt Russell, este instável Capitão não tem a compaixão do anterior, além de lidar com os inimigos de forma bem mais extrema. Sam deve deixar o símbolo de seu amigo ser conspurcado?

Uma escolha política é feita na série pela Marvel, uma que talvez irrite conservadores e outros que já se animavam com um Capitão “ataque primeiro e não pergunta coisa nenhuma”.

Por motivos financeiros (as “minorias” já não são tão minorias e representam boa parte do mercado) ou humanitários, não importa, a Marvel toma partido. O Capitão América do século XXI é negro, inclusivo, e alguém que dialoga com o diferente, o adversário, sempre que possível, e não apenas age.

Dialoga, por exemplo, com a “vilã” da série, Karli Morgenthau (vivida por Erin Kellyman), a líder de um grupo chamado Apátridas, que luta para que aqueles que perderam seu lar com o estalar de dedos de Thanos sejam aceitos em outros países.

Também nesse conflito, os roteiristas tentam fazer pontes com a realidade: não seriam os Apátridas outra palavra para o que os conservadores nacionalistas (a extrema direita) chamam de Globalistas, grupo que defende que o multilateralismo deve nortear as relações internacionais?; e não seriam as vítimas de Thanos grupos de refugiados, abandonados por seus países?

É contra esse grupo que Sam e o Soldado Invernal tem que se bater, discordando mais de seus métodos violentos e menos de sua causa, como o discurso final do Falcão deixa patente.

Por onde quer que se olhe a série está recheada de política, algo que, a se valer das redes anti-sociais, parte dos amantes de cultura pop parece torcer o nariz.

Para esse grupo, há sempre algo a que se apegar em ‘Falcão e o Soldado Invernal’: a cenas de ação são fantásticas. Está liberado assistir apenas por isso e deixar o resto, “lacrador”, de fora. Faz de conta que não existe política no mundo!

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