“Será que vem aqui o Dória querer censurar algo?”. Essa dúvida/provocação/preocupação deu o tom do debate de um dos painéis mais necessários da CCXP, ‘Não Mete Política no Meu Quadrinho’. A fala, feita no encontro pelo jornalista e ilustrador Alexandre De Maio (autor de “Meninas em Jogo”, uma obra de jornalismo em quadrinhos) faz referência à censura imposta pelo bispo, ops, quer dizer, prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, a um beijo entre dois personagens masculinos da Marvel.
Discussão nada nova, a inclusão de questões políticas na arte, inclusive quadrinhos, transborda nas redes sociais e é atualíssima. Para comprovar, basta tentar ler (é um esforço grande) os comentários sobre qualquer matéria que circula nas redes: do novo penteado de Neymar até o show de fim de ano de Roberto Carlos. Hoje em dia se mete política em tudo. Nas HQs deveria ser diferente?
Alexandre De Maio explica que o quebra pau sobre política e quadrinhos nas redes se manifesta de muitas maneiras, inclusive na criação, recentemente, de dois ‘selos’ (mais propaganda que outra coisa): um que tem como lema “quadrinhos antifascistas” e sua contraparte, que defende “quadrinhos sem política”.
A discussão é meio bizarra já que até se abster do debate, como parecem querer alguns, é uma posição política. Mas nos quadrinhos isso é particularmente idiota: até em HQs de super-heróis (mais mainstream que isso impossível) questões políticas estiveram presentes desde sempre. Para ficar em poucos exemplos, o que são as histórias do X-Men e do Pantera Negra além do debate sobre como combater o preconceito?
“Eu fico me perguntando o que pensaram essas pessoas que criaram essa campanha. Em um terreno em que a política não é utilizada, o que preenche esse lugar? A moral. É um discurso usado para moralizar as questões de sociedade”, explica Carol Ito, jornalista, quadrinista e ilustradora. Moralizar, de fato, como bem sabe o bispo/prefeito Crivella, acrescento eu.
Ferréz, romancista, contista e poeta, explica porque, para ele, é impossível deixar de ser explícito sobre questões políticas em quadrinhos e outras formas de arte. “Não quero estragar o rolê de ninguém, mas é muito cômodo para quem está vivendo no privilégio manter as coisas como estão. Não está bom não ser representado, ter apenas um personagem negro ou índio de dez em dez anos. O ato mais covarde da elite é tornar parte da população invisível”, completa.
“O ‘sem política’ é para ter uma política que já é meio hegemônica. Ser ‘sem política’ é meio que um novo nome para censura”, completa Alexandre De Maio.
Ou seja, ser ‘isentão’ não te redime da miséria à sua volta: você apenas não quer falar sobre isso. Ou, em palavras mais bonitas, de Paulo Freire: “não existe imparcialidade. Todos são orientados por uma base ideológica. A questão é: sua base ideológica é inclusiva ou excludente?”