Roteiro inspirado e interpretações notáveis fazem do longa um filme que não pode deixar de ser visto.
Numa aula de roteiro original, categoria que inclusive lhe rendeu uma de suas indicações ao Oscar, Três anúncios para um crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri), dirigido por Martin McDonagh, equilibra com precisão humor e drama e só por isso já valeria a pena ver o filme. Só que não para por aí, com diálogos de tirar o fôlego e uma rara combinação de atuações impecáveis que se articulam num rico arco de personagens, o longa, em seus 115 minutos de duração, prende o espectador do começo ao fim sem cair nas manjadas soluções simplistas.
No filme, a atriz Frances McDormand vive Mildred Hayes, uma mãe que tem a filha brutalmente assassinada e, diante da ineficácia da investigação policial na busca pelo culpado, decide alugar três outdoors cobrando justiça do venerado chefe de polícia da cidade, o delegado Willoughby, interpretado por Woody Harrelson. A situação descamba quando seu segundo comandante, Jason Dixon (Sam Rockwell) entra na briga em defesa do chefe e a aplicação da lei foge do controle.
Mais do que um argumento por si só interessante, Três anúncios para um crime fisga o espectador diante da tela pelo roteiro. Sem cair na pieguice, o filme vai do mais profundo humor ao drama. Um exemplo notável é uma discussão entre a personagem Mildred Hayes e o xerife. Os dois estão embalados num diálogo em que as piadas fluem a todo vapor quando, de repente, Willoughby, diagnosticado com câncer terminal, tosse sangue no rosto de Hayes. Imediatamente, e num ritmo preciso, o tom da conversa muda e as falas dos personagens, outrora jocosas, passam a traduzir toda a gravidade daquele momento.
Em parte, esse efeito também é resultado dos diálogos encadeados que transcorrem com tal eficácia que o espectador nem percebe a passagem do tempo. Nesse sentido, pesam muito as excelentes atuações da tríade de atores formada por McDormand, Harrelson e Rockwell que revelam plena entrega na construção dos arcos de seus personagens.
A inesperada atitude da mãe repercutindo em toda a cidade e suas consequências no decorrer da trama vão revelando nuances de personalidades aparentemente estanques. Alimentada pela revolta e dor diante da morte horrível da filha, Mildred é pura raiva e é capaz de fazer qualquer coisa para alcançar seu objetivo, mesmo que isso signifique burlar a lei, ir contra toda a cidade e sua própria família. Essa obsessão, no entanto, vai sendo flexibilizada no decorrer da história. A personagem descobre que é preciso se humanizar pelo menos um pouco para continuar a viver.
Também os outros dois personagens têm arcos narrativos claros e interessantes, principalmente o vivido por Sam Rockwell, que, de um policial racista, violento e estúpido passa a ser compreendido pelo público como um policial um pouco menos estúpido, mas com muito mais empatia e coração do que se pensava.
Em um momento de nossa história em que, no Brasil e no mundo, a regra é enxergar tudo em preto e branco, de forma sempre radical e sem nuances, Três anúncios para um crime mostra que a vida é repleta de áreas cinzas e que as pessoas nem sempre são o que parecem. Essa verdade, meio óbvia e sempre esquecida, é jogada na cara do espectador com muitos risos e choros, mas de forma sempre agradável. O que mais se pode pedir de um filme?