É mais ou menos consenso que 2016 não foi um ano muito bom. Olhando para o Brasil e para o mundo, pode-se ter a impressão que os bons se deram mal e os maus se deram bem. A ascensão de trumps, temers e afins e a morte de Dom Paulo Evaristo Arns e, alguns dizem, da democracia no Brasil, são apenas alguns exemplos.
Mas não corte os pulsos ainda! Nem se deixe contaminar pelos ventos sombrios do ano passado. Assista agora “A vida dos outros”, produção alemã de 2006 dirigida por Florian Henckel von Donnersmarck e ganhadora do Oscar. O filme, uma aula de humanidade, se passa na Alemanha Oriental, nos anos finais da Guerra Fria.
No longa, o capitão da Stasi (a temida polícia secreta da República Democrática Alemã-RDA) Gerd Wiesler é incumbido de espionar o casal formado pelo dramaturgo Georg Dreyman e a atriz Khrista Maria Sieland. De início uma bem azeitada peça da máquina repressora do regime autoritário, Wiesler, aos poucos, começa a ficar fascinado pelas vidas e afetos do casal, tão diferentes de sua vazia e rígida rotina, que inclui encontros frios com prostitutas, interrogatórios brutais e muita solidão.
Maravilhado, o personagem parece redescobrir uma outra forma de viver e a empatia pelos outros, que se traduz concretamente, por exemplo, quando ele passa a esconder as atividades subversivas do casal, inclusive produzindo relatórios de espionagem falsos.
A narrativa da vida do casal espionado resgata Wiesler, que se vê de novo como parte da humanidade, responsável não apenas por si, mas por todos. O processo é semelhante ao que a arte e a literatura podem ter na formação e emancipação ética das pessoas, descrito pelo grande Antonio Candido em “O direito à literatura”.
Nesse sentido, é sintomático que, em determinado momento do filme, o espião roube da casa dos artistas e leia um livro de Bertolt Brecht, autor famoso por questionar sistemas autoritários e defender uma perspectiva humanitária da vida, voltada ao outro.

O processo de transformação de Wiesler, interpretado de forma poderosa e sutil por Ulrich Mühe, o levará, ao final do filme, a fazer o sacrifício final, aquele que só os homens serenamente bons, que não esperam nada em troca, são capazes de fazer.
Muito mais do que qualquer corrente compartilhada pelas redes sociais, a cena final de “A vida dos outros” é um convite não apenas às lágrimas, mas à solidariedade e à bondade, tão escassas em 2016, mas que, esperamos, seja abundante em 2017.