À luz do pensamento de Gilberto Freyre, longa perfaz o rito de passagem de um adolescente à fase adulta, sob o pano de fundo de sua família burguesa em decadência.
Um jovem que se transforma em homem e faz de tudo para se desvencilhar dos pais superprotetores. A partir desse mote trivial, o longa Casa Grande, de Fellipe Barbosa, tece um enredo que transcende os dilemas da adolescência para refletir o Brasil de hoje. Uma das melhores surpresas do cinema nacional nos últimos anos, o filme faz muito mais do que se inspirar na obra-prima de Gilberto Freyre para levantar questionamentos. O que faz do longa um grande filme é a forma como Barbosa tece a relação entre a decadência de uma família e seu reflexo num Brasil que, ainda hoje, repercute em sua organização social a dialética da Casa Grande e da Senzala.
Tendo no elenco atores como Suzana Pires e Marcello Novaes, que interpretam os “patriarcas” da alta burguesia carioca Sônia e Hugo, Casa Grande traz boa parte de seu elenco composto por não atores, a começar pelo protagonista, o adolescente Jean, vivido por Thales Cavalcanti, no filme, estudante do Ensino Médio no tradicional colégio carioca São Bento.
A cena inicial é um belo quadro e deixa muito a pensar. Por um longo período, a câmera se mantém centrada na imagem da mansão da família, toda iluminada. Aos poucos, o patriarca vai apagando as luzes de cada cômodo até que a casa grande fica toda às escuras, por completo.
A passagem que segue dá início à narrativa dos hábitos privados do adolescente Jean, saindo às escondidas do casarão para o quarto da empregada Rita (Clarissa Pinheiro). Eis a herança patriarcal, revivida agora pelo proprietário da casa que se impõe como dono de tudo que nela se encontra. Mas a relação entre o garoto e a doméstica não é o único indício de que as fronteiras entre a casa grande e a senzala permanecem tênues nos dias de hoje. No filme de Fellipe Barbosa, cada gesto é significativo e não causaria estranhamento se em algum momento pairasse no ar a dúvida se o adolescente seria o único morador da casa a buscar refúgio no quarto de Rita.
Aliás, a personagem, ao lado dos outros empregados, desperta no espectador outra comparação com Casa Grande & Senzala: todos fazem parte do grupo dos invisíveis, assim como a filha caçula, que é completamente ignorada pelos pais o tempo todo.
Outro ponto positivo do filme é a coesão que se estabelece entre teoria e vivência. Se, de um lado, a rotina da família mostra que a obra de Gilberto Freyre segue atual nos dias de hoje, o discurso de seus moradores em torno de temas como bolsa-família, cotas raciais e meritocracia reitera a perpetuação da mentalidade da Casa Grande.
E é em meio aos resquícios da herança patriarcal brasileira que essa família da alta burguesia carioca aos poucos caminha para a falência, enquanto o primogênito segue na contramão, em seu rito de passagem para a vida adulta.