Hordas de histéricos tomam as ruas pedindo sangue. São impulsionados pelos jornais, que dão todos a mesma versão do fato: há um adversário comum aos homens de bem, a toda a gente civilizada, que deve ser exterminado. O assunto é tratado visceralmente no parlamento, aqueles identificados com o inimigo são agredidos nas ruas, o clima é de calamidade nacional. A República está ameaçada e algo precisa ser feito.
Por mais que pareça, o quadro não se refere ao Brasil de 2015, mas ao de 1897, depois que se difunde nos centros urbanos a notícia da derrota da terceira expedição do governo contra a comunidade de Canudos, no sertão baiano.
Os sertanejos que viviam no local, unidos pela pobreza e religiosidade, eram acusados pelos jornais e pelo governo de monarquistas. Na verdade, apenas se indispunham contra algumas das novidades da recém declarada República, como o casamento civil e a separação entre Igreja e Estado. Era necessário, entretanto, criar-se um inimigo horrendo para justificar as atrocidades ilegais cometidas no conflito.
‘Os Sertões’, obra prima de Euclides da Cunha que relata a Guerra de Canudos (1896-1897) e que, ao que parece, continua relevante para entender o País, ganhará no segundo semestre deste ano edição crítica pela Editora Cosac Naify.
Obcecado, Euclides, nas quatro primeiras edições da obra, lançada originalmente em 1902, a alterou, emendou e corrigiu. O que se promete agora é, a partir de trabalho filológico de nove anos da professora da USP Walnice Nogueira Galvão, um texto o mais fiel possível à última vontade do autor.
Também faz parte dos dois volumes da nova edição do livro, além do texto integral e revisto pela professora, um ensaio fotográfico de Flávio de Barros sobre a Guerra de Canudos, um caderno de imagens e ampla fortuna crítica, com textos de Antonio Candido, Gylberto Freire, Luiz Costa Lima, Antonio Houaiss, entre outros.
Trabalho de fôlego, portanto.