Cuarón ressuscita o neorrealismo com ‘Roma’

1 de janeiro de 2019

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Em determinado momento de ‘Roma’, último filme de Alfonso Cuarón, a empregada doméstica Cleo confessa a sua patroa que está grávida. O longa se passa nos anos 1970, na Cidade do México, em um bairro de classe média alta de nome, também, Roma. O filme retrata, de forma intimista, a relação de amor e exploração entre a patroa e sua família, brancos e ricos, e seus empregados, particularmente Cleo, de origem ameríndia.

Voltando à revelação, se poderia esperar, eu esperei, até Cleo manifestou no filme esse receio, que a reação da patroa à gravidez fosse a demissão da empregada. A dona da casa, no entanto, se compadece e indica seu médico à doméstica.

É que o filme de Cuarón, mesmo singelo, é sofisticado e não se propõe a fazer uma crítica rasa e fácil às classes abastadas. Se retrata a forma com que Cleo e os outros empregados são explorados e as diferenças sociais presentes na sociedade, também entende que todos, ricos e pobres, são humanos, repletos de contradições, e seres que atuam  – para sua miséria, muitas vezes – a partir de condicionantes socioeconômicos.

Assim, por um lado a dona de casa não consegue deixar de demostrar seu autoritarismo com Cleo, se incomodando, por exemplo, que ela assista à TV com o resto da família. Por outro, e ao mesmo tempo, sente afeto pela empregada ao reconhecer o amor desta por seus filhos.

A escolha feliz de Cuarón pela estética do Neorrealismo Italiano ajuda a conferir complexidade e verdade ao longa, ao exposto na tela, quase que de forma documental. O preto e branco, os longos planos sequência (um ponto forte do diretor, como está claro em algumas das cenas de ação de outro filme dele, o excelente ‘Filhos da esperança’) e até a utilização de atores não profissionais fazem com as atitudes nobres e as nem tanto se tornem homogêneas, apenas detalhes interessantes de uma grande pintura. Ou melhor, essa estética, que não enfatiza nada por meio da edição, cores ou zoons, torna as atitudes mais sutis, mais reais, e, portanto, mais fáceis de identificar em nossa própria realidade latino-americana.

O Neorrealismo Italiano, que em sua origem, anos 40 e 50, tematizava, justamente, os problemas sociais de pessoas comuns, em ‘Roma’ é, dessa forma, tanto homenageado (inclusive por meio do nome do filme) como uma ferramenta útil para Cuarón, que encontrou nessa estética, quem sabe, a forma mais adequada a suas pretensões artísticas.

Artísticas e muito pessoais já que o filme retrata a infância do diretor na Cidade do México, quando foi cuidado não por Cleo, mas por Libo, a quem dedicou o Leão de Ouro que ganhou pelo longa no último Festival de Veneza.

Que tal obra de arte seja disponibiliza em um serviço de streaming é curioso e um pouco triste. Merecia ser visto na tela grande.

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