História de amor entre surda e monstro é uma aula de empatia em tempos de ódio
Anos 1960. Estados Unidos e a antiga União Soviética no auge da Guerra-Fria formam o pano de fundo escolhido pelo diretor Guillermo Del Toro para a produção A Forma da Água, que acaba de estrear nos cinemas. Protagonizado pela faxineira muda Elisa (Sally Hawkins), que trabalha em um laboratório experimental secreto do governo americano, o conflito tem início quando a personagem se afeiçoa a uma criatura fantástica, meio homem meio anfíbio, vivida por Doug Jones, mantida presa e maltratada no local pelo vilão Strickland (Michael Shannon). Com o auxílio de seu melhor amigo Giles (Richard Jenkins) e da colega de turno Zelda (Octavia Spencer), Elisa se embrenha num arriscado plano de resgate.
Ao longo desse percurso, o espectador é brindado com uma história cativante, que transcende o plano político e social peculiar àquele período histórico para colocar em xeque nossas certezas e convicções sobre o que somos e os traços que, afinal, delineiam a condição humana.
Nesse sentido, a polarização da Guerra-Fria encontra sua extensão nas relações entre os personagens. De um lado, opressão, preconceito e autoritarismo são emulados na postura repugnante do agente Strickland e seus superiores, todos imersos num universo em que a eficiência se sobrepõe ao sentimento e o homem é reduzido à sua função. A resposta tácita do general Hoyt (Nick Searcy) na passagem em que o agente lista uma série de atributos que fariam dele um homem decente traduz perfeitamente a lógica implacável do sistema: “Decência real é ser eficiente. Outro tipo de decência não importa”.
Em contrapartida, virtudes como generosidade, empatia com o outro e respeito às diferenças norteiam a conduta do núcleo formado pela faxineira Elisa e seus pares. É da comunicação com a protagonista muda que, ironicamente, a criatura estabelece seu contato com a humanidade. Transpondo as barreiras do medo e do preconceito, tanto Elisa como seus amigos se arriscam frente ao desconhecido e lutam para salvar uma criatura taxada pela sociedade como uma aberração. Ao fazerem isso, colocam-nos diante de um espelho no qual já não reconhecemos nossa humanidade refletida com traços tão firmes como quando entramos no cinema.
É nesse sentido que o filme pode ser uma pedra no sapato de uma sociedade cada vez menos afeita a se defrontar com suas mazelas morais e éticas. Daí talvez advenham comentários que resumem “A forma da água” à bestialidade, como fez recentemente um pastor evangélico, no auge de seu pleno desconhecimento sobre arte e de sua ampla falta de empatia com o próximo. Isso soa como uma condenação, não ao filme, mas à civilização à qual pertencemos, que cada vez mais vem abrindo mão de pensar.
E é nesse contexto que o filme revela-se ainda mais oportuno. Em tempos sombrios e de alienação, os tipos mais improváveis viraram formadores de opinião e resolveram assumir o posto de guardiões da ética. Nesse sentido, talvez o incômodo seja a única sensação capaz de acordar as mentes que essas vozes talham e adestram.
Uma resposta
Excelente filme, desfrutei muito. Michael Shannon fez um ótimo trabalho no filme. Eu vi que seu próximo projeto, Fahrenheit 451 será lançado em breve. Acho que será ótimo! Adoro ler livros, cada um é diferente na narrativa e nos personagens, é bom que cada vez mais diretores e atores se aventurem a realizar filmes baseados em livros. Acho que Fahrenheit 451 sera excelente! Se tornou em uma das minhas histórias preferidas desde que li o livro, quando soube que seria adaptado a um filme, fiquei na dúvida se eu a desfrutaria tanto como na versão impressa. Acabo de ver o trailer da adaptação do livro, na verdade parece muito boa, li o livro faz um tempo, mas acho que terei que ler novamente, para não perder nenhum detalhe. Vi os horários de transmissão em: https://br.hbomax.tv/movie/TTL711416/Fahrenheit-451 deixo o link por se alguém se interessar. Acho que é uma boa idéia fazer este tipo de adaptações cinematográficas.