Em Jogador No 1 (Ready Player One), de Ernest Cline, editado aqui pela LeYa, somos apresentados a um futuro em que a humanidade padece com crise energética, fome, guerras e desemprego. A apatia com a realidade é generalizada e não há muito o que fazer e para onde fugir. A não ser para o OASIS, um universo de realidade virtual onde você pode ser quem quiser e fazer coisas fantásticas.
É nessa realidade sem limite, onde a maioria da população do planeta passa a maior parte de seu tempo (se você pensou em algo semelhante ao Facebook, mas virtual, acertou em cheio), que as pessoas estudam, trabalham e se relacionam.
É também no OASIS que seu criador, o trilionário e falecido James Halliday, escondeu um easter-eggs que, se encontrado, premiará o sortudo com toda a sua fortuna, além do controle sobre a realidade virtual.
Wade Watts é um caça-ovos, uma das milhares de pessoas que passam horas dentro de OASIS tentando decifrar as pistas deixadas por Halliday e conquistar o prêmio, pistas essas que sempre se referem à cultura pop do período de infância do trilionário, o fim dos anos 70 e a década de 80.
Esse é o gancho para Ernest Cline entupir seu livro de uma infinidade de citações a esse período, de séries de TV, algumas totalmente obscuras, passando por quadrinhos, jogos de videogame e fatos relacionados a sua produção, livros, músicas e RPGs.
Mais do que um amontoado de citações gratuitas, no entanto – e esse é um dos motivos do livro ser tão interessante -, essas referências têm consequências e objetivos dentro da trama, sendo mesmo o que faz a ação se desenrolar.
Assim, se as pistas na forma de referências a filmes nos anos 80 são para os personagens – os caça-ovos em busca de seu prêmio -, quem se identifica com elas são os leitores, particularmente estes, como eu, que cresceram nesse período. A esses, o autor pega pela mão e leva de volta para a infância para rever Jogos de Guerra, Krull, O Último Guerreiro das Estrelas, Caras e Caretas e jogar Pac Man, Space Invaders, Adventure (esse é fantástico!) e Asteroids. A nostalgia e a memória afetiva fazem sua parte e a identificação com o herói é imediata. Afinal, quem gosta dessas coisas só pode ser gente boa.
Por outro lado – e aqui temos outra jogada esperta de Cline -, o livro foi lançado em 2011, quando no mundo esse tipo de cultura nerd e geek já havia há algum tempo deixado de ser consumida pelos esquisitos e antissociais de óculos, naqueles guetos de sempre, e passa a ser um conhecimento valorizado, mainstream. Não havia (na verdade não há) mais nada do que se envergonhar se você era o único da sala que sabia quem era Howard, o Pato.
Mas o livro não se esgota em uma celebração desse ‘submundo cultural’ e da vida virtual, apontando, ao mesmo tempo, suas limitações e perigos: isolamento social e afetivo. A substituição da vida real, muitas vezes bruta e injusta, por uma vivida nas mídias sociais, esse espaço quentinho onde todos são felizes.
Nada de novo sob o Sol: os grandes textos de ficção científica sempre fazem isso, ou seja, projetam e exacerbam tendências sociais e/ou tecnológicas no futuro para discutir o que está errado no presente.
Isso Jogador No 1 faz bem, além de ter, falando francamente, ação fantástica, alucinada, e cinematográfica, com Cline conseguindo, com descrições sucintas e eficientes, te colocar no meio disso tudo.
Obs. 1: Há um Mechagodzilla no livro!! Isso já é um atestado de qualidade.
Obs, 2: Por ser um deus da cultura nerd e estar envolvido em boa parte da produção de conteúdo dos anos 80, Steven Spielberg é a pessoa ideal para tocar a adaptação para o cinema da obra. Veja no vídeo abaixo como Ernest Cline deixa claro que o livro não existiria sem as influências, e os filmes, do diretor de E.T. – O Extraterrestre. Jogador No 1 chega 29 de março nos cinemas.