Nos livros, como na vida, todos os tipos de mulheres

8 de março de 2018

Da prostituta redimida pelo amor em Lucíola à ingenuidade comovente da protagonista de A Hora da Estrela. Muitas são as facetas das figuras femininas que compõem a literatura brasileira. Vamos lembrar de algumas delas neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher

Letícia Persiles como a Capitu da minissérie da Globo
Letícia Persiles como a Capitu da minissérie da Globo

Frágeis, sensuais, destemidas, ousadas, decididas, muitos são os adjetivos possíveis para o mosaico de personagens inesquecíveis do romance nacional. Mas “cigana oblíqua e dissimulada”, expressão que tornou célebre a personagem Capitu, de Dom Casmurro (Machado de Assis), talvez seja o mais singular dos predicativos, tal qual sua musa inspiradora. Forte e decidida, a figura de Capitu é de uma sensualidade avassaladora, mas fora dos padrões tradicionais, conforme as palavras do próprio Bentinho ao descrever a amada: Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem”.

Não menos destemida, a migrante Gabriela, do romance homônimo de Jorge Amado, é uma das mais autênticas representações de um espírito livre. A heroína, que vem do agreste em busca de trabalho em Ilhéus, em pouco tempo encanta o comerciante Nacib com sua cor de canela e perfume de cravo. Mesmo casando-se, Gabriela não se deixa subjugar pelos padrões da sociedade. Numa Bahia tomada pelo patriarcado, a personagem é a representação do frescor de novos tempos de liberdade.

A libélula que se metamorfoseia inspira o romance Lucíola, de José de Alencar. Na trama, Maria da Glória é uma jovem moça que, seduzida por um homem, se vê obrigada a se prostituir para sobreviver. Aos poucos, a cortesã se apaixona por um jovem e volta a despertar em seu coração doces sentimentos e um impulso regenerador, mesmo num árido terreno minado pelo preconceito da sociedade da época.

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Clarice Lispector, autora de A Hora da Estrela

Também capaz de suscitar reflexões sobre o preconceito, mas de outra ordem, a migrante nordestina Macabéa é personagem principal de A Hora da Estrela, de Clarice Lispector. Pobre e desleixada, a jovem de 19 anos não tem família e vive de um subemprego no Rio de Janeiro. A ignorância e ingenuidade da personagem, que não reconhece sequer sua própria infelicidade, desperta empatia entre homens e mulheres.

Por motivos distintos, outra personagem que costuma despertar empatia entre os leitores é Aurélia, a jovem bonita, de origem humilde e personalidade forte do romance Senhora, de José de Alencar. Uma vez trocada por um dote mais alto, ela decide se vingar do amado. Ao herdar inesperadamente uma fortuna, a personagem se torna uma mulher rica e independente. Esse é o momento de ir à desforra contra aquele que a abandonou.

Personagem marcante de Amar, verbo intransitivo (Mario de Andrade), Fräulein Elza chocou a sociedade paulistana na década de 1920. No romance, influenciado pelas ideias de Freud, a governanta alemã é contratada pelo pais do jovem Carlos Alberto para proporcionar uma iniciação sexual “serena” para o garoto, evitando que ele o faça em prostíbulos. Ambígua, às vezes sonhadora, às vezes racional, a personagem parece em certos momentos reunir todas as figuras femininas numa só.

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Riobaldo e Diadorim, por quem o pobre jagunço nutria um amor que não entendia: “Mas eu gostava dele, dia mais dia, mais gostava. Digo o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa-feita.”

Diadorim, do romance Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, está entre os personagens mais interessantes da literatura nacional. Tida como homem durante quase todo o romance, ela entra no cangaço em busca de vingança. Lá encontra Riobaldo, que, sem saber seu gênero, nutre pela companheira de lutas um amor que o mortifica e o define. Para Riobaldo, Diadorim era, ao mesmo tempo, a representação do masculino e do feminino, do celeste e do demoníaco, da certeza e da dúvida.

Calado, mas sério e destemido na batalha, Diadorim fascinava o pobre jagunço. “Mas eu gostava dele, dia mais dia, mais gostava. Digo o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa-feita. Era ele estar perto de mim, e nada me faltava. Era ele fechar a cara e estar tristonho, e eu perdia meu sossego”.

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