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Pantera Negra oscarizado é o fim do cinema – segundo o Velho do Restelo

24 de janeiro de 2019 | Por: Alexandre Postigo

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Das margens da praia do Restelo, em Lisboa, Portugal (onde fica a bela Torre de Belém, me diz o Google), saía Vasco da Gama, e suas naus, para sua aventura ultramarina. Queria conhecer novas terras, novos povos, ‘audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve’, como se dizia naquela série antiga. Queria enriquecer também, sabemos.

Mas sempre há – assim seria chamada hoje – a turma do mimimi. No caso, um velho, o Velho do Restelo chamou-o Camões em ‘Os Lusíadas’.

Do quê chiava o velho ranheta, de aspecto ‘venerando’ e ‘voz pesada’? Da viagem em si, de que não ficaria portuga para defender o país dos mouros, que as aventuras por mares nunca antes navegados levariam o reino à falência. Enfim, melhor deixar o próprio vitimista se manifestar. Para o velho, esse desejo de viajar, de procurar algo novo, de inovar, era:

“Fonte de desamparos e adultérios,

Sagaz consumidora conhecida

De fazendas, de reinos e de impérios:”

Canto IV, Os Lusíadas

Resumindo: o velho estava puto com a novidade que ia, ao que parece, até aumentar o número de adultérios.

Sendo isso verdade ou não (alguém aí tem fácil as estatísticas de adultérios em 1500 em Portugal?) essa situação, o velho, o mimimi, me vieram à mente quando vi algumas reações à indicação de ‘Pantera Negra’ ao Oscar de Melhor Filme. O longa também concorre nas categorias de Figurino, Mixagem de Som, Edição de Som, Trilha Sonora Original, Direção de Arte e Canção Original. Mas o problema, para essa turma, é em Melhor Filme.

Um longa sobre super-heróis ser lembrado para Melhor Filme? Sendo essa a primeira vez que um filme desse gênero é indicado a uma categoria considerada nobre (seja o que for que isso signifique), o povo teve, no popular, um ‘ataque de pelanca’: isso seria a prova final da imbecilização e infantilização de Hollywood e da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que organiza o rega bofe e entrega as estátuas douradas. Basicamente, a indicação marcaria o apocalipse para os filmes ‘sérios’, como o rolê do Vasco prenunciava o fim do bom e velho Portugal medieval.

Gênero para crianças

Partindo do pressuposto que o problema é o gênero, apontemos o óbvio, ou seja, que dentro de um gênero há filmes muito diferentes: excelentes, bons, médios e ruins.

‘Superman – O Filme’, de 1978, marca o início desse gênero para alguns. Alguém vai querer me convencer que não há emoção e simbolismo na cena em que o herói de capa vermelha, desafiando seu pai, muda a rotação da terra e volta no tempo, salvando sua amada Lois Lane?  Emocionou, para ficar em um exemplo, Gilberto Gil, que escreveu a canção ‘Super-Homem’, que, num belo trecho, afirma que Superman, como um deus, mudou o curso da história ‘Por causa da mulher’.

‘Hulk’ (2003), dirigido por Ang Lee, apesar de não ter o apreço de parte dos fãs, vai no âmago psicológico do personagem, um pacato cientista que se transforma em um monstro verde gigante e raivoso. Mostra as origens da raiva de Bruce Banner, assim como o pai abusivo, as memórias reprimidas e as consequências permissivas desse tipo de violência na vida de crianças – quem passou por isso sabe do que estou falando. Se o cinema é uma máquina de criar empatia, como já disse um crítico famoso, esse filme está com o óleo em dia.

‘Logan’ (2017) faz um eficaz mix dos gêneros Super-Herói e Western (citando e se espelhando, inclusive, em ‘Shane’, de 1953) ao mesmo tempo em que discute até que ponto a violência é justificável, se algo de bom redunda dela, em uma bela história de sacrifício e redenção.

Em Batman Returns (1992) Tim Burton usa de seu estilo peculiar para nos mostrar uma fábula gótica sobre aparência e essência: o Pinguim, um chefe de gangue, se torna político; um herói, Batman, é retratado como ameaça pública. De quebra, Michelle Pfeiffer interpreta uma Mulher-Gato que dá um chutão no machismo e em algumas ideias do feminismo.

Por meio de ação que lembra o impacto causado em sua época por ‘Operação França’ (1971), ‘Capitão América 2 – O Soldado Invernal’ (2014) é ousado ao fazer o personagem símbolo do país atacar a própria política externa americana, a Doutrina Bush, que defendia ataques preventivos, ou seja, a punição antes do crime. Vestindo uma bandeira, o Capitão aponta a diferença entre o que a América diz ser e o que é de fato.

E Pantera Negra?

Killmonger, o vilão mais complexo da Marvel no cinema, e o Pantera

O que fazer frente ao preconceito que historicamente e ainda hoje o negro sofre? A resposta para isso não é simples, como T´Challa, o Pantera Negra, acaba descobrindo. Inicialmente inocente, ele é chamado para a realidade pelo ‘vilão’ Killmonger, que o quebra fisicamente e moralmente jogando em sua cara que ele não fez nada pelo seu povo, que morre e é explorado nas periferias das cidades. Neste ponto começa o arco do Pantera: inicialmente alienado, o herói aprende, pelo sofrimento (não é sempre assim?), que é preciso mudar algumas coisas, é preciso criar pontes e promover o desenvolvimento entre seu povo. É uma resposta humanista à questão inicial, diferente da de Killmonger, que responde violência com mais violência. Mesmo assim, e aqui explico as aspas na palavra vilão acima, seu personagem é complexo e, se age de forma selvagem, você compreende e simpatiza com suas razões, mesmo que abomine seus métodos.

O argumento de que Pantera Negra infantiliza as questões de que trata não se sustenta. A obra as trata em sua complexidade, de forma madura, o que é impressionante considerando os objetivos desse tipo de filme, que é fazer dinheiro. Ainda mais impressionante: pode ser visto por todas as faixas etárias. Crianças, jovens e adultos, cada um encontrará na película alguma forma de satisfação.

O chefão da Marvel nos cinemas, Kevin Feige, em entrevista à EW, deixou claro que, desde o início, o objetivo era fazer do longa um filme com a assinatura do diretor Ryan Coogle (diferentemente de alguns dos filmes da Marvel, diga-se, que são mais genéricos, não têm alma), homem negro e ligado às questões de preconceito e representatividade. “Pantera Negra é um filme único, contado por um cineasta único em um momento único. Tudo se resume a esse elenco e equipe incríveis, e um brilhante diretor que tinha algo para contar. Ele tinha uma história e uma luta muito pessoal para explorar, e nós quisemos usar esse filme e essa tela para contar isso”, esclareceu Feige.

Uma fala esperada de um executivo de estúdio, pode-se argumentar. Mesmo assim, o fato concreto é que Coogle entregou uma mescla de filme pipoca com filme de ‘arte’, se aceitarmos essa divisão restritiva (‘Blade Runner, o Caçador de Andróides’ (1982), hoje considerado a quinta-essência da discussão sobre a condição humana, em sua estreia foi quase ignorado).

Com a indicação de Pantera a Melhor Filme, pode ser que o ínclito leitor, mesmo após a apresentação feita, ainda teime e espere, a qualquer momento, um dilúvio bíblico. Considere, então, esse argumento: ‘Chicago’ (2002), musical dirigido por Rob Marshall, ganhou o Oscar de Melhor Filme em 2003. E, surpreendentemente, ainda estamos todos vivos.

Aquietem-se, pois, queridos e ranhetas velhinhos do Restelo.

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