Em Novelas trágicas o leitor tem contato com uma versão mais recatada, porém perversa, do Marquês de Sade
Menos lascivo, porém com as vivas cores da tragédia, o autor de 120 dias de Sodoma, Marquês de Sade (1740-1814), substitui as descrições de atos sexuais e torturas, habituais em suas obras, por narrativas catastróficas em Novelas trágicas, editado pela primeira vez no Brasil pela Carambaia, com tradução e posfácio de André Luiz Barros.
Nessas histórias, personagens vigorosos acumulam infortúnios causados pela desordem a que os vícios e vicissitudes da condição humana, assim como as paixões e a própria fatalidade, condenam a existência.
A novela Corval, por exemplo, que integra a compilação, é uma autêntica tragédia elevada à máxima potência, com direito a assassinatos, incestos e uma série de desventuras cujas causas extrapolam os limites da vontade e apresentam os personagens como meros joguetes do destino.
Escritas entre 1787 e 1788, enquanto Sade estava preso na Bastilha – de onde se originaram também algumas de suas obras libertinas mais conhecidas, como 120 dias de Sodoma –, as Novelas trágicas apresentam singularidades em relação ao conjunto de textos do Marquês.
Sem perversões, orgias, estupros grupais e degustações de matéria fecal, as novelas inéditas no brasil, mesmo que de uma forma diferente do que costumamos ler na escrita do Marquês, trazem à tona a hipocrisia e o moralismo barato da sociedade burguesa da época (da época?).
O projeto gráfico de Novelas trágicas, de Luciana Facchini, com ilustrações de Zansky, propõe um jogo que remete às atitudes dissimuladas dos personagens do próprio texto do Marques. O livro vem inserido numa luva que funciona como uma máscara: quando sobreposta aos desenhos, tanto das capas como internos, revela traços escondidos nas ilustrações.
Polêmico na vida e na literatura
Sade passou quase metade dos seus 74 anos de vida encarcerado. Preso por sodomia, rituais cruéis praticados com servas e servos entre outras acusações, o autor chegou a permanecer uma década na cadeia por conta do livro Justine.
De todas as obras de sua autoria, Sade só assinou duas durante a vida, tendo a maioria de seus escritos censurados (quando não lhe davam papel escrevia com vinho, sangue e até fezes nas paredes da sua cela).