A medida do herói se dá em função do valor do vilão, dizem. Se isso é verdade, os muitos heróis de Vingadores: Guerra Infinita estão muito bem, obrigado. Afinal, Thanos, vilão cuja vinda foi há muito anunciada dentro do universo cinematográfico da Marvel – desde Os Vingadores (2012) -, é a melhor coisa no filme. Isso não é pouco, quando se considera que a maior parte dos elementos do longa dirigido pelos Irmãos Russo funciona muito bem.
Todo mundo é herói de sua própria história, inclusive os – bons – vilões. Hitler tinha convicção de que suas intenções eram as melhores, assim como Thanos, que no filme tem um objetivo claro: encontrar as Jóias do Infinito e, com elas, eliminar metade dos seres sencientes do Universo, única forma, de acordo com o Titã Louco, de alcançar equilíbrio entre os recursos disponíveis e a população consumidora.
Para oferecer a Thanos a oportunidade de se explicar, os roteiristas de Guerra Infinita, Christopher Markus e Stephen McFeely, fizeram o óbvio, deram tempo de tela para o Titã. Se negaram a fazer do personagem, coisa que ele definitivamente não é nos quadrinhos, apenas um ogro superpoderoso cuja única função é servir de saco de pancada para os heróis, erro cometido, para ficar no exemplo mais recente, pela DC com o vilão de Liga da Justiça, Lobo da Estepe.
O Thanos do filme, que também é beneficiado com as melhores falas do roteiro, mostra-se ardiloso, implacável, cruel e, ao mesmo tempo, alguém com quem o público pode construir pontes de empatia graças, em boa medida, à relação com Gamora, sua filha, por quem sente profundo amor.
Contribui para o carisma do personagem – em determinado ponto o espectador pode se ver torcendo para o vilão do filme – não apenas as ótimas soluções em termos de CGI empregadas pela Marvel para criar o gigante roxo, mas a interpretação certeira de Josh Brolin, que manifesta, por meio da voz e pausas, um vilão sereno, mesmo quando executa as ações mais torpes.
Se o eixo narrativo do filme é a ‘quest’ desse Thanos carismático, sobra aos heróis orbitá-lo e a seus generais. Para tentar impedir que o vilão obtenha as Jóias, três frentes de batalha são constituídas: Homem de Ferro, Dr. Estranho, Homem-Aranha e metade dos Guardiões é uma, a que melhor funciona em termos de interação de personagens; a segunda, liderada pelo Capitão América e Pantera Negra, tenta impedir que a Jóia na cabeça de Visão seja roubada pelos exércitos de Thanos; a última é a busca de Thor por uma arma que possa matar o vilão. Menos interessante, essa última ao menos tem a virtude de arrumar, até certo ponto, a bagunça que Taika Waititi fez em Thor: Ragnarok com o herói nórdico, que em certo sentido volta a ser ele mesmo.
Aqui é preciso dizer que essa divisão em equipes, que em mãos menos habilidosas poderia ficar confusa e despropositada, com os Irmãos Russo funciona muito bem. A edição habilidosa mantém o interesse do espectador sobre o que ocorre em cada um dos núcleos, além de conferir boa alternância entre ação e as cenas mais expositivas.
A preocupação da produção em respeitar as características de cada franquia e personagem também é evidente, inclusive na escolha da trilha sonora e tom das cenas, mais leves e bem humoradas, por exemplo, quando os Guardiões aparecem e tensas e dramáticas quando necessário.
Ponto forte dos Irmãos Russo (basta ver, nesse sentido, Capitão América: Soldado Invernal), a ação de Guerra Infinita é um marco em termos de filmes de super-heróis: não lembro de outra produção em que os diferentes poderes de heróis e vilões foram tão bem aproveitados para criar cenas memoráveis. Merece destaque, nesse sentido, as batalhas que envolvem Homem de Ferro, Dr. Estranho e Homem-Aranha contra Thanos e seus generais.
Filme-evento, conclusão da criação, ao longo de dez anos, de um universo cinematográfico compartilhado de personagens da Marvel, este Guerra Infinita entrega exatamente o que o fã quer, mesmo que seja pelo caminho inesperado de contar uma história não dos heróis, mas do vilão, único personagem que tem um arco narrativo completo, com começo, meio e fim. A ousadia da Marvel de apostar na saga do Titã Louco como centro narrativo contribui para criar um gancho espetacular para o próximo filme, efeito semelhante ao presente nas melhores histórias em quadrinhos de super-heróis. Deve-se pedir mais de um filme desse gênero?