Crítica: Vingadores II, um imperfeito filme perfeito

3 de maio de 2015

(o texto abaixo contém spoilers)

Filmes que ultrapassam seu gênero são os lembrados. No primeiro Robocop, um clássico da ficção-científica, temos mais do que um policial ciborgue, mas uma pessoa em busca de sua identidade. Cavaleiro das Trevas mostra o embate entre um homem vestido de morcego e um palhaço, mas também a fragilidade das regras (convencionais ou naturais?) que afastam a sociedade civilizada do caos. Da mesma forma, Manhattan, de Woody Allen, apenas superficialmente é um filme sobre relacionamentos: na verdade, as imagens imponentes de Nova York ao som de George Gershwin insinuam como são relativamente pequenas e transitórias (e, por isso, essenciais) nossos conflitos por amor e felicidade.

Paradoxalmente, a força de Vingadores – Era de Ultron está em seu esforço contínuo de não ultrapassar esse limite, não ir além de seu gênero. Sua fraqueza também.

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No longa, tudo está no lugar quando se pensa em um filme de super-heróis.

As cenas de ação, que são fantásticas e maiores do que no primeiro da franquia, aproveitam de forma inteligente os poderes e habilidades de cada um dos componentes do grupo. Situação clichê em filmes de super-heróis, até os ocupantes de um trem descarrilhado são salvos!

O vilão, Ultron, criado inadvertidamente pelo Homem de Ferro, garante o conflito e a desunião inicial entre os heróis, também isso uma característica do gênero, herdada, aliás, dos quadrinhos (onde volta e meia os caras bons, da mesma forma, saem na mão entre si).

Mesmo que com pequenas alterações, toda a história, a personalidade dos personagens, suas motivações, estão calcadas firmemente no ‘cânone’ das histórias em quadrinhos dos Vingadores e da Marvel. Essa fidelidade, obsessão e régua de qualidade para alguns fãs e mesmo, surpreendentemente, alguns especialistas, está bem resolvida: daí não virão críticas.

Se a mistura perfeita, quase mecânica, de todos esses elementos não nos entrega um filme frio, seco, sem personalidade, a culpa é, me parece, dos diálogos mordazes e personagens carismáticos, como o Homem de Ferro, que, como exemplo, em determinado momento conclama seu colega, Bruce Banner, a abraçar seu lado “cientista louco”.

Essas extravagâncias nos diálogos, se denotam coragem ao não tratar os espectadores como crianças burras, são elementos superficiais, não suficientes para elevar o filme a outro patamar. Nem se busca isso, imagino. Se agradar a nós, fãs de quadrinhos, e for minimamente compreensível e empolgante ao resto da plateia, os ganhos dos acionistas dos Estúdios Marvel estão garantidos e todos saem felizes.

A precisão cirúrgica e o apuro técnico são tantos para alcançar esse efeito junto à plateia que apenas na segunda vez que vi o longa, e depois de limpar da mesa o grosso das lutas fantásticas, efeitos especiais perfeitos e piadas rápidas, é que percebi que o filme oferece mais, na figura do personagem Visão.​​

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Mesmo recém-nascido, ou criado, o sintozóide age de forma mais complexa, mais humana – já que cheio de dúvidas -, do que qualquer um dos outros heróis, curiosamente todos ‘humanos’. Assim, por exemplo, quando perguntado de qual lado ele ficaria na batalha, se com os Vingadores ou com Ultron, ele responde: as coisas não são tão simples.

O pobre Capitão América (e, suspeito eu, tristemente, que parte da audiência do filme também) não entende essa postura. Como poderia? Dentro do clima de história em quadrinhos (as mais tradicionais, ao menos) que se cria no filme, inexistem posturas mais complexas do que um sim ou um não. Trata-se, apenas, da batalha do bem contra o mal. Ou não? Ou as coisas são mais complexas do que isso?

São, como explica o Visão, ao tranquilizar o líder da equipe, o Capitão: “Não desejo destruir Ultron. Ele está sofrendo. Mas seu sofrimento pode destruir toda a vida. Assim, é preciso acabar com a ameaça que ele representa”.

Ao final do filme, em um diálogo com a última cópia remanescente de Ultron, Visão demostra, novamente, ter uma percepção mais adulta e complexa da realidade do que de seus colegas de equipe e mesmo do que a do seu oponente.

Concordando com o diagnóstico de que a humanidade está fadada a se autodestruir, eles discordam sobre o que fazer quanto a isso. Ultron prescreve, e é isso que tenta fazer ao longo do filme, a extinção da civilização como forma de alcançar a paz. O Visão, ao contrário, considera que a humanidade vale a pena já que “uma coisa não é bela pelo tempo que dura”.

O que é espantoso é que o debate que está por trás de toda a briga entre heróis e vilão que acontece no filme saia da boca não dos personagens humanos, coisificados em máquinas de combate, mas das duas ‘coisas’ do filme: Ultron e Visão.

Sinal (triste) do tempos? Marca do gênero, em que os heróis de verdade não podem demonstrar hesitação ou pensar em nada durante mais do que dois segundos? Apenas consequência da necessidade de oferecer adrenalina durante todo o filme ao público? Qualquer que seja a resposta ela não é animadora se o que se quer é cinema de qualidade.

Já foi demonstrado que filmes de super-heróis podem ser mais do que apenas filmes de super-heróis: o segundo Capitão América, para ficar apenas em um exemplo. No caso presente, em Vingadores, bastaria, acho, explorar melhor as questões postas pelo Visão.

O filme, no entanto, diverte, alcança os objetivos a que se prepõe e prepara o terreno para a fase três do Universo Cinematográfico da Marvel.

Mas que poderia ir além, poderia.

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