Adaptado do romance The Revenant: A Novel of Revenge, de Michael Punke, O Regresso, recente filme de Alejandro González Iñárritu, suscita uma profunda reflexão sobre o selvagem que habita cada um de nós.
(Apesar de O Regresso já ter entrado e saído de cartaz, e ter rendido a Leonardo DiCaprio, inclusive, um Oscar, a discussão contida no texto abaixo, sobre a natureza, ainda, primitiva do homem, é, mais do que nunca, relevante. Não postado à época em função de questão técnicas, segue, agora, a crítica.)
Ambientado no século XIX, o filme acompanha a história real de Hugh Glass, interpretado por Leonardo DiCaprio, um guia de caçadores que parte para o oeste americano disposto a ganhar dinheiro explorando um dos cenários mais inóspitos já retratados no cinema. Atacado por um urso, Glass fica seriamente ferido e é abandonado à própria sorte pelo parceiro John Fitzgerald (Tom Hardy). Como se esses elementos não fossem ingredientes suficientes para o despertar da ira do protagonista, Glass ainda tem no assassinato do filho um fator decisivo para empreender sua odisseia em busca de vingança.
Se as razões para desforra já saltam aos olhos, as adversidades enfrentadas pelo personagem central seguem em seu encalço no decorrer de toda a trama. O cenário natural parece, aliás, incorporar um antagonista à parte: congelante, predador, imprevisível, inóspito. O pior é que ele não é o único. Não bastassem a fome, as tempestades de neve e os penhascos, Glass tem contra si índios, franceses e tantos outros que, como ele, empreendem uma busca árdua pela sobrevivência.
Literalmente dilacerado e mergulhado num ambiente hostil, nosso protagonista, para matar a sede de vingança, precisa vencer o maior dos rivais: a si mesmo. Enterrado vivo, Glass submete-se a provações torturantes (para ele e para o próprio espectador) quando a morte seria uma reconfortante saída.
A partir daí, o herói empreende uma espécie de odisseia da barbárie que, apesar de impactante a cada cena, não nos é de todo estranha em tempos de intolerância, miséria, guerras civis e violações dos direitos humanos (só pra citar alguns exemplos de males que seguem vivos pelos quatro cantos do globo e principalmente aqui ainda nos dias atuais).
Solitário, Glass inicia uma jornada que traz à tona a selvageria que habita o ser humano de todas as épocas na luta pela sobrevivência. Ambientado em 1822, O Regresso faz aflorar da envergadura epidérmica da civilização a essência rude e hostil da barbárie que coabita a natureza humana desde sempre. Talvez tão torturante como o esfacelamento físico e a árdua jornada do herói seja a consciência do espectador de que estamos regressando – ou pior, nunca saímos – da barbárie com o agravante de que a sobrevivência talvez não seja nosso único motivo.