De início pensei em comparar Liga da Justiça, filme de Zack Snyder que dá continuidade ao universo dos personagens da DC no cinema, ao saudoso desenho da equipe veiculado na primeira metade dos anos 2000. Mas a comparação é descabida: mesmo em seus episódios mais fracos, sempre havia, na animação, a tentativa de desenvolver algum arco com os personagens. Ou seja, a narrativa transformava o super-herói enfocado no episódio, que passava, por exemplo, de arrogante para humilde, de ingênuo para (um pouco mais) sábio etc.
Presente no desenho da Liga da Justiça, essa característica está, espantosamente, ausente do filme, que narra a tentativa de Batman (Ben Affleck) e Mulher-Maravilha (Gal Gadot) de reunir Aquaman (Jason Momoa), Flash (Ezra Miller) e Ciborgue (Ray Fisher) para impedir que o vilão Lobo da Estepe ponha as mãos nas três Caixas Maternas presentes na Terra e, assim, possa terraformar e dominar o planeta. Ao mesmo tempo, os heróis tentam ressuscitar Superman (Henry Cavill) para ajudar na luta contra o vilão.
O problema aqui é que o roteiro não estabelece relações claras entre esses objetivos e possíveis arcos que possam, quem sabe, transformar de algum modo os heróis. Eles agem, apenas, não se transformam no processo, quase que como em um videogame, impressão realçada pela quantidade de CGI usado, em alguns momentos com resultados bem discutíveis, como o bigode de Henry Cavill ‘escondido’ por meio de computador.
Sem arcos claros, os heróis perdem em complexidade e fica mais difícil estabelecer algum vínculo emocional entre os personagens e o público, cuja afeição depende de enxergar nas criações ficcionais algo de si, das superações que todos temos que encarar em nossas vidas diariamente. Unidimensionais mesmo para os padrões de filmes de super-heróis, o laço com a plateia é, até certo ponto, mantido, apenas, pelo carisma dos personagens (e dos atores que os interpretam), o que é pouco. Aquaman e Flash se destacam nesse sentido, mesmo com os diálogos pouco inspirados escritos pelos roteiristas.
Aliás, as refilmagens feitas por Joss Whedon – depois da saída de Snyder da direção por motivos pessoais -, supostamente alguém mais afeito a diálogos bem construídos e ao humor, não conferem nenhuma dessas características ao filme. As piadas introduzidas, provavelmente por Whedon depois das críticas feitas a um suposto tom sombrio nos filmes anteriores de Zack Snyder – Homem de Aço e Batman Vs Superman-, estão muitas vezes fora de tom. Como se tivessem sido incluídos às pressas (e de fato foram, pelo que se conhece da história da produção), os momentos cômicos permitem ao expectador apenas aquele sorriso de canto de boca, próprio de quem sorri apenas como uma concessão ao piadista.
Se não há o humor de um Thor: Ragnarok, pode-se dizer que Liga adota, sim, um tom diferente dos outros filmes da DC, mais aventuresco e próximo às produções da Marvel, principalmente Vingadores I e II. A comparação é boa já que Liga também compartilha com os longas da concorrência um dos seus principais pecados: a falta de gravidade conferida às consequências das cenas de ação. Como não há grande preocupação em focar nos objetivos finais do Vilão (conquistar a Terra para quê?), não se sabe bem o que está em jogo e a tensão pelo resultado do conflito se esvai. A ação, então, se dá quase como um fim em si mesmo, o que aproxima o filme, de novo, da dinâmica dos videogames.
O interessante é que, em que pese seus problemas de edição e roteiro, nos filmes anteriores de Snyder no universo DC – Homem de Aço e Batman Vs Superman – não há falta de emoção e gravidade na ação. Ao contrário, os filmes são acusados se serem excessivamente soturnos justamente por conferir à violência sua resultante lógica: destruição e, quem sabe, mortes. Esse tom, aliás, fato aparentemente desconhecido por alguns críticos, está presente em HQs clássicas da DC e que foram usadas por Snyder como inspiração, como ‘O Cavaleiro das Trevas’, para citar apenas uma.
Para não dizer que não falei das flores, a ação do filme, mesmo sendo sem gravidade para o enredo, é particularmente bem encenada, explorando os poderes e habilidades da Liga de forma muito competente.
Um outro ponto positivo é Superman, colocado novamente como pedra fundamental e referência dentro do universo DC, não apenas em função de seus poderes, mas como símbolo de esperança.
Um último ponto positivo é a segunda cena pós-créditos, que dá esperança de algo que faz meu olhos de fã suarem: uma Liga da Injustiça, liderada por Luthor. Há alguém que não queira ver isso na tela grande?
Escaldada das críticas recebidas pelos filmes anteriores, acusados de serem muito trágicos para as plateias jovens, a DC tentou, neste Liga da Justiça, aproximar-se do humor inconsequente e ação pela ação que funciona bem em (alguns) filmes da Marvel. Ficou, lamentavelmente, pelo caminho, nem lá nem cá, perdendo, no processo, identidade e parte da alma. Há quem diga que o público de hoje não liga muito pra isso, o que, se verdade, seria a real tragédia.
OBS: Citei o antigo desenho da Liga. Veja, abaixo, um exemplo de como a ação pode ter gravidade e ainda por cima ser muito legal e emotiva. Um desenho animado (!) que equilibra de forma perfeita todos esses aspectos. É tão difícil assim fazer isso?